
"A verdade é sempre uma figura muito desagradável, principalmente quando estamos dominados pela ilusão, em especial quando fazemos de nossas vidas um poema à fatuidade.
O admirável professor Julio César de Melo e Souza, o qual viria a ser conhecido sob a alcunha de Malba Tahan, narra que, oportunamente, um grande Rei resolveu reunir a sua corte para celebrar o prenilúnio de Ramadan.
Harun al-Rashid, em Damasco, estava reunido com sua corte quando a Verdade se apresentou à porta de seu palácio pedindo licença para falar ao Rei. O jovem guarda que a recebeu foi tomado de espanto porque a Verdade era mulher muito bela e se lhe apresentava totalmente despida.
O guarda espantado ante a beleza da sedutora mulher perturbou-se, como poderia ele conceder-lhe acesso à sala do trono sem que tivesse, ao menos, um tecido transparente para velar-lhe, de alguma forma, sua nudez? Então resolveu questionar a um dos Ministros de confiança do Rei. O Ministro com algo de enfado escutou o jovem guarda que lhe narrou estar à porta do palácio uma mulher muito bela, totalmente nua, que dizia ser a Verdade e que deseja falar ao Rei. Ao que o Ministro respondeu:
- Como se atreve? Esta aqui é a casa do Rei! Não há lugar para a verdade! Nós vivemos da fantasia, da mentira, da fancaria, da bajulação. Já imaginou se a verdade se adentrasse por aquela porta e viesse até o Rei? Seria o naufragar das nossas aspirações, seria todo o entorpecer de nossos ideais. Expulse-a!
E a Verdade foi expulsa sem a menor consideração da porta de entrada do palácio de Harun al-Rashid.
Ela voltou à intimidade de um pequeno oásis no Deserto, e pensou:
- Mas eu tenho que adentrar em palácio, o Rei terá que defrontar-me um dia e espero que o faça antes de estar perturbado e infeliz.
Meditou demoradamente e resolveu tomar de trapos, vestir-se, atirar-se ao solo, sujar-se.
E assim qual uma mendiga voltou à porta do palácio e quando se acercou o jovem guarda perguntou-lhe de quem se tratava. E aquela mulher cansada disse-lhe que era A Realidade!
- Mas, Realidade, que vem fazer em Palácio, a Realidade? Aqui não há lugar para a Realidade!
- Mas eu exijo! Exijo ser levada a presença do Rei, que naturalmente ao saber que fui impedida de falar-lhe irá punir àquele que obstaculizou meu passo.
O jovem guarda temendo uma punição foi ao Ministro e disse-lhe:
- Senhor, aí está, esta é uma noite terrível no prenilúnio de Ramadan! Porque depois da Verdade agora me vem uma mendiga de trapos vestida, suja, infecta.
Deseja falar ao nosso Monarca e se atreve a dizer que é a Realidade! O Ministro sorriu e bradou:
- Expulse-a! atire-lhe aos mastins. A Realidade na casa palaciana da fantasia? De maneira nenhuma. Nós vivemos aqui daquilo que escorchamos do povo. O povo estúpido, iludido, que gosta de mentiras. Como pode querer vir a Realidade até nós? Expulse-a imediatamente.
E agora levando dois cães ferozes o guarda atirou-os contra a Realidade que partiu em desabalada correria de volta ao oásis.
O prenilúnio chegava ao seu momento máximo.
E a verdade começou a meditar, tinha que levar a sua mensagem ao Rei, o que deveria fazer?
No momento em que a lua chegava ao máximo e era a hora superior das orações a Verdade vestiu-se, adornou-se de luar, pegou estrelas que transformou em diamantes fez uma coroa que pôs sobre sua cabeça. Tomou do véu da noite e fez uma indumentária transparente e agradável, vestiu-se. Elaborou uma carruagem com corcéis fogosos.
Em seguida a carruagem dourada partiu atravessando o deserto, e porque irradiava uma luz soberana, ao parar à porta do palácio deslumbrou ao guarda.
O guarda diante de uma mulher muito bela, coroada de gemas estelares, trazendo uma mágica vara de condão perguntou-lhe:
- Quem és?
- Eu sou a Fantasia! Desejo falar ao Rei!
Ele nem pediu licença ao Ministro, abriu os grandes portões, fê-la adentrar-se.
O Primeiro Ministro foi falar ao Rei, que mandou parar o baile e reuniu toda a sua corte à sua volta e a Fantasia adentrou-se até ajoelhar-se diante de Harun al-Rashid que levantou-se do trono e estendeu-lhe sua mão.
Na hora em que foi tocá-la, ela rompeu sua indumentária, despiu-se e disse-lhe:
- Senhor, para chegar até a presença de Vossa Majestade eu, a Verdade, vesti-me de Fantasia, porque era a única maneira de falar-lhe a respeito da Realidade!
E, assim, a partir daquele momento em todo o oriente a Verdade sempre veio velada pela Fantasia.
Por esta razão Jesus falou-nos em parábolas porque a Verdade era muito áspera para aqueles e para os nossos ouvidos.
E como requisito de sabedoria, dizer a verdade, sim, mas não despida de alguma quimera que fira a sensibilidade objetiva para que a realidade não nos desencante de tal forma que nos tire a alegria de Viver!"
Divaldo Franco - Perguntas e Respostas (Áudio)
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